sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Quarta-feira de cinzas

Alguns fatos são difíceis de serem esquecidos! Esse não foi o caso, mesmo ela tendo certeza na hora que nunca esqueceria, esqueceu.

Tudo começou numa aula, onde ele era novo por ali. Ela não dava à mínima pra isso. Estava concentrada fazendo o exercício no quadro que a professora havia pedido. Ele já estava constrangido o suficiente por ter chegado atrasado, e sentou no primeiro lugar que encontrou. Quando ela virou pra sentar no seu lugar, viu um menino magro, alto e de cabelos incrivelmente pretos e lisos. Não notou isso no momento, apenas que ele estava sentado no lugar que deveria ser dela. Pediu que ele se retirasse. Óbvio! Afinal, ele era o novo, ela estava sentada ali primeiro e nunca foi muito boa com recepções e nem com delicadezas.
Eles ficaram amigos da maneira mais bizarra possível. Compuseram juntos. Cantaram juntos. Saiam juntos. Quando o que se pensavam ser impossível, aconteceu. Passaram a gostar juntos!
A convivência se tornava cada vez mais forte. E nem repararam nisso! Aquela coisa toda de sentimentalismo não era com eles. Esse era só o começo do fim de suas vidas! A intensidade foi trocada pela tranqüilidade de já conhecerem cada qualidade e cada defeito um do outro. Pra quê mudar a rotina?
Passaram-se mais alguns meses e ela recebeu a notícia de que ele não ficaria mais ali. Voltaria pra sua cidade. A vontade dos dois era se abraçarem. Mas por algum motivo, não fizeram isso. Talvez por medo da notícia se fizer realidade rápido demais.
Saíram pra andar de tardinha. Era o que mais gostavam de fazer juntos! Tinha uma sensação de falsa liberdade naquilo. Atravessaram quase a cidade toda andando sem trocar uma palavra sequer. O pensamento dela era falar o que estava engasgado em seu liquidificador. Aqueles segredos sobre verdades impactantes que só seriam ditos uma única vez. Mas resolveu esperar ele começar.
Passou mais alguns minutos e ficaram ali. Em silêncio! Olhando o nada. Foi então que ela resolveu começar.
_ Você pensa na sua vida sem música?!
_ Não! – respondeu ele sem pestanejar.
_ É! Imaginei que fosse responder isso.
Ele sorriu e ficou olhando pra ela por alguns minutos. Isso, geralmente a irritava. Mas dessa vez não se importou. Notou seu olhar vazio. De quem tinha algo pra dizer, mas não tinha tempo e nem coragem mesclado por uma tristeza de quem não queria dar adeus. Então, resolveu ignorar isso e continuar com o papo.
_ Já reparou que a maioria das nossas tardes termina assim?!
_ Eu ia falar isso agora. Esses banquinhos do calçadão sempre foram muito gentis com a gente.
_ É verdade! Deve ser porque a gente também foi gentil com eles.
Nesse momento o olhar dele mudou. Encheu-se de lágrimas e falou:
_ Não coloca as coisas no pretérito. Por favor!
Ela olhou pra baixo, deu um suspiro e completou:
_ Você tem noção do carnaval que fez na minha vida? Do tipo que: "você foi chegando, sem pedir licença..."
Ele completou: “... O seu amor ingrato, fez gato e sapato do meu coração.”
E riram pela primeira vez naquela tarde.

Ficou um pouco sem jeito em ter que voltar nesse assunto, mas pensou que provavelmente aquela seria sua última chance.
Ela era uma pessoa legal, mas nunca foi muito boa em ser delicada ou em ser sensível, mas ele parecia despertar isso nela. Ele, por sua vez, nunca percebeu isso. Ou percebia e nunca comentou. Enfim, eles estavam ali. E não tinham exatamente nada para falar. Foi então que ele tomou uma atitude que deveria ter tomado desde o começo. Puxou ela pela mão e deu um abraço bem apertado. E disse ao pé do ouvido:
_ Não acredito que você vai me fazer chorar.
Ela deu uma gargalhada misturada com soluços de quem já estava chorando. Limpou as lágrimas, olhou pra ele e o beijou.
O assunto ‘carnaval’ voltou à mesa.
_ Mas o que você estava dizendo mesmo sobre eu ser seu carnaval? – falou isso, enquanto deu um sorriso de boca como quem estava começando a gostar do assunto.
_ É, né?! Você está gostando disso. Mas não fica se achando não! Só disse que é como carnaval, pois chegou, passou com seu bloco e agora vai embora.
_ Talvez eu seja tudo isso. Mas não por querer.
Resolveu mudar de assunto, pois aquele estava melodramático demais. E só pelo fato dele estar indo embora, não quer dizer que precisavam ficar com aquela rasgação de seda toda.
E ele foi embora. Ela nunca mais o viu. No começo, trocavam e-mail todos os dias. Mas o tempo foi reduzindo isso. E passou a ser esporádicas conversas no messenger.
Numa dessas conversas, depois de alguns longos anos, ele voltou ao assunto inacabado daquela tarde. E ela não se lembrava do que tinha falado. Não porque falou por falar. Nem porque falou para causar impacto, mesmo tendo aprendido muito bem isso com ele. Ela simplesmente não lembrava.
E ele perguntou: _ Todo carnaval tem seu fim?
Ela, pensando estar conversando sobre coisas banais que tanto gostavam, respondeu sem pensar: _ Claro! Um tem que acabar pra começar o próximo.
E emendou em outro assunto. Música é claro!
Ela foi pra casa com aquela pergunta na cabeça. Sabia que ele não tinha feito ela à toa. E lembrou que antes de perguntar isso, ele falou que estava lembrando da conversa de despedida e ela não tinha se dado daquilo.
Então ela deu um sorriso de canto de boca e falou baixinho enquanto deitava para dormir:
_ Penso que: Vivi um carnaval e estou de ressaca até hoje!