segunda-feira, 5 de abril de 2010

Conversas de sofá

Sentados no sofá, e com aquela sensação de tentar deixar tudo pra mais tarde (inclusive o verão), trocaram de canal e começaram a ver uma reportagem sobre o aquecimento global. Trocaram olhares e mudaram de canal de novo. Dessa vez, a reportagem era sobre culinária. Mais especificamente, sobre os prazeres da culinária francesa. Ele não entendeu uma vírgula, enquanto ela anotava todas. Olhou pra ela como quem pedia piedosamente para não assistir aquilo, pelo amor de Deus. Mas a concentração dela era tanta, que nem viu quando ele levantou do sofá e foi tomar um banho e saiu. Quando notou, estava em casa sozinha. Anotando 832 receitas por minuto. De doce, à parmegiana, suflê e etc. Por fim, rendeu-se e desligou a televisão.

Foi pra cozinha preparar um daqueles pratos. Desistiu quando queimou o fundo da panela pela terceira vez. Ele chegou, tirou os sapatos, deu um beijo nela e devido às condições da cozinha, pegou o telefone e pediu comida japonesa. Ela deu um sorriso sem graça e percebeu que não ficava sozinha com ele havia muito tempo. Pense: dois filhos pra criar e trabalhando. Era dureza. Ela nunca reclamou. Acho que ela até gostava disso tudo. Da vida numa cidade pacata. Do cachorro no quintal. Das crianças chorando. Mas ficar sozinha com ele, a deixava nervosa. Tinha medo dele não querer nada com ela. Ou de ficarem sem assunto. De brigarem por qual canal sintonizar num domingo de tarde. Desejou desesperadamente que as filhas chegassem do acampamento. Ou que o telefone tocasse. Ou que o mundo desabasse sobre sua cabeça. Tudo, menos ficar no silêncio com ele.

Notando seu desconforto, o bom marido simplesmente não falou nada. Apenas a abraçou. Isso a deixou mais segura, mas não menos nervosa. Então, ele sussurrou baixinho no ouvido dela: “Eu ainda te amo, sabia?”Como se ele tivesse lido seus pensamentos. Rubra de vergonha, ela apenas o abraçou mais apertado.

Mais tarde, eles voltaram para o sofá. Agora, com a esperança de ver algum filme bacana na TV. Em vão. Então, ela sugeriu que locassem um. Ele concordou e saiu para a locadora mais próxima. Chegando em casa, a viu dormindo no sofá. Riu da incapacidade dela de conseguir ver um filme todo até o final e que desta vez tenha conseguido se superar. Levou ela pro quarto, a cobriu e deitou ao seu lado. Na hora que ia apagar as luzes, ela vira pro lado e dá um beijo nele.

- “Obrigada pela noite maravilhosa.”
- “Mas você nem viu o filme que queria.”
- “Não importa. Eu ia perder o final de qualquer jeito mesmo!”

Sorriram e cada um virou pro canto na tentativa de apagar logo de uma vez e não ter muito tempo pra pensar na audiência de separação no outro dia pela manhã.